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NA ROTA DO RALLY DAKAR 2010 - 13º Dakar: Vôo de Fokker
por Roberto Agresti - Editor da Revista da Moto - ()
03/01/2010

O Dakar é a festa dos motores, inclusive aeronáuticos. Motos, carros e caminhões se degladiam na areia. No céu helicópteros e aviões de todo tamanho levam as gentes e coisas de um acampamento a outro do rali.

Em 1991 acompanhei a equipe brasileira, André Azevedo e Klever Kolberg com as Yamaha XT 600. Enquanto eles ralavam no deserto, eu e o mecânico Luizão Azevedo voávamos de uma etapa a outra levando o que desse.

Como num campo de férias, no 1º dia de África – na Líbia – procuramos nossos nomes numa lista para saber qual seria o avião que nos levaria durante todo o rali.

5T CLG era o prefixo do bicho, e no pátio daquele aeroporto precário achei um Fokker F28 branco com listas verdes, de um lado da fuselagem, caracteres árabes ininteligíveis para mim, do outro a tradução, “Air Mauritanie”, e o tal prefixo.

A visão não me agradou. De todos os aviões que estavam ali, uns vinte ou trinta, aquele era o mais caído (adjetivo péssimo para um avião, hein?). O que um dia poderia ter sido uma bela aeronave para 70 passageiros estava um caco. Pneus carecas, trincas na descascada pintura, vidros sujos e foscos... parecia a Kombi dos caras do caldo de cana da feira!

No dia seguinte, a primeira decolagem no 5T CLG. Fui como quem vai para a forca. Se a aparência era ruim por fora, dentro era pior. Tive certeza que ia morrer naquele treco.

Se o avião era estranho, a tripulação não era de menos. Todos muçulmanos, usavam túnicas até os pés. Rezavam voltados para Meca todos os dias, certamente por que sabiam o lixo de avião em que voavam, não por serem muito religiosos.

Nas decolagens, convocava todos: Allah, Buda, Jesus, Bispo Edir, Iemanjá e o escambau, pedindo que me salvassem do que pressentia ser inevitável. O barulho dos motores era uma piada de mau gosto. Faziam fuiiim, brrrrr, bzaaa, graaa... um ruído diferente cada dia. Os trancos, cluncs e cloncs quando flapes e trem de pouso eram acionados eram de gelar o sangue.

O piloto sempre subia em forte ângulo, o Fokker se retorcendo. Para descer simplesmente deixava o avião despencar, na banguela, como fazem os camioneiros na estrada.

Os dias passavam e nada de acidente, e fomos nos enturmando como a tripulação do 5T CLG, pois já que íamos morrer todos juntos, certeza, melhor morrer entre amigos.

O primeiro a quebrar o gelo foi o engenheiro de vôo, negão de quase dois metros de altura. Vendo um conserto na moto do André feito com arame e durepoxi, pediu estes “nobres” materiais emprestados.

Comandante Ahmed, muito arredio no início, virou chapa. É claro que com o andar da conversa confessei meus medos quanto ao estado do Fokker, e como consolo ouvi que aquele era o avião mais seguro do Dakar. Por quê, perguntei? Ahmed bateu no peito...

Esta “la garantia soy yo” ajudou: à partir daquele dia, os vôos no 5T CLG passaram da categoria “pavor puro” para a de “medo profundo”.

Peterhansel, Kolberg, Azevedo, Orioli, Rahier, Vatanen, Auriol e Ahmed. Os grandes pilotos do 13º Dakar, de 1991.
C’est l’Afrique...


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